quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

O homem da lei


Delegado Eduardo Padilha.
A barba grisalha combinando com o cabelo espetado oriundos de uma mistura de índio com peruano era sua marca registrada. Moreno de boa estatura, pernas um tanto cambotas, olhos levemente puxados quase que cobertos pelas vantajosas sobrancelhas. Gostava de vestir calça camuflada, cinto a mostra de boa qualidade para segurar bem colada na cintura sua amiga inseparável que ajudava a colocar ordem na cidade.


Por anos trabalhou para manter a tal ordem em uma cidadezinha do interior. Fez bem mais que prender bêbados, separar briga de casais ou dá uma coça nos ladrões de galinha. Tornou-se, por opção, o inimigo número um do narcotráfico na região de fronteira. Perdeu a conta de quantos traficantes colocou atrás das grades. Ele odiava o poder destruidor das drogas e por isso dedicou a sua vida para combatê-la.


Andava sempre alerta e pronto para uma emboscada dos malfeitores. Aliás, toda cidade temia pela vida do mais popular delegado que resolveu decretar guerra aos perversos traficantes da região.


Na pequena delegacia da cidade, em vez de delinquentes, eram os cidadãos de bem que passavam a maior parte do dia conversando com o popular delegado. Idosos, autoridades, jovens e até crianças costumavam sentar no velho banco de cimento incrustado na parede lateral da velha delegacia para, simplesmente, papear com o homem da lei.


Tão popular, admirado, respeitado e querido pelos moradores. Mas odiado pelos ceifadores de vidas que viam uma pedra no meio do caminho que precisava ser removida a qualquer custo.


Quantas noites sem dormir, sozinho na escuridão ele era os olhos dos que descansavam em paz. Ele ali, na beira de um rio, ou embrenhado na mata, camuflado, disfarçado, a espreita pronto para o bote certeiro.


De repente a notícia: mais um traficante preso pelo extraordinário delegado.


Alguém dizia: só pode ter pacto com o capeta! Ele sempre acerta.


Mas não era o demo que cochichava em seu ouvido denunciando onde estavam os facínoras. Eram noites sem dormir, paciência sem fim e o desejo de erradicar um mal que ameaçava sua gente.


Homem de fé, diziam que tinha o corpo fechado. Já com idade para gozar sua aposentadoria preferiu continuar combatendo o crime. Mesmo com a chegada de delegado formado na universidade, continuou sendo o preferido dos moradores. Não parou de trabalhar, não importava se era delegado titular, subdelegado ou apenas agente de polícia. Era, acima de tudo, o homem da lei.


A dor no coração foi tão forte como um tiro. Rápida, certeira e repentina. Não teve como se defender, não servia a ajuda de sua amiga inseparável que por anos andou colada ao seu corpo. A mão no peito, a cabeça girando, os olhos ao apagar ainda contemplavam as lindas copas das árvores. Os joelhos no chão tentam sustentar o corpo, a força que sempre serviu em defesa de sua gente vai se indo lentamente.


O guerreiro sucumbiu. Não por mãos de homens, mas pela vontade divina que o protegeu nessa missão de paz.


Foi o homem, ficou o mito Eduardo Padilha.

 (Texto: Jerry Correia)

A chuva e suas lembranças


Um dia chuvoso daqueles conhecidos do inverno acreano. Muita água escorria pelas ruas de barro vermelho deixando a cidadezinha um lamaçal só. Naquela época pouquíssimas ruas do município eram pavimentadas. Por isso quando descia a chuva forte, a lama tomava de conta. Era muito comum ver as pessoas saírem de casa com sacolas plásticas amarradas nos sapatos. Parece brincadeira, mas era uma saída para não sujar o calçado na hora de ir trabalhar ou passear.

Diferente dos adultos, a criançada adorava quando caia uma chuva bem forte e demorada. Meninos e meninas ganhavam as ruas enlameadas para se divertir com as mais diferentes e inocentes brincadeiras. Começava com a brincadeira da “pira”, depois a da “sandália”, tinha também o “31 alerta”, e finalmente tudo terminava em uma grande ladeira de barro vermelho bem molhada que se transformava em um enorme escorregador. Era ali que a criançada perdia a noção do tempo e só voltava para casa debaixo dos gritos das mães preocupadas.

A chuva me faz lembrar aquele monte de gente na beira do rio admirado com a “cabeça d’ água”. Era quando as águas do velho rio Acre subiam rapidamente depois de alguns dias de chuva nas cabeceiras.

De repente o sino badalava na curva do salão do Sr. Alonso. Era o Major Salino. A maior embarcação que trazia óleo diesel para manter funcionando o gerador de energia da cidade.

Todo mundo na beira do rio fascinado com as águas e o movimento no porto. Era um sobe e desce no barranco liso. Poucos trabalhando e muitos olhando e jogando conversa fora.

Para subir o barranco escorregadio com os camburões de 200 litros de óleo diesel só mesmo na força bruta. Era aí que aparecia o pequeno Aprígio com seu boi de arraste. Todos ficavam admirados com a coragem e maestria do pequeno menino que dominava tão grande e forte animal. Descia até a beira do rio, amarrava o camburão na zorra e ordenava que o boi puxasse a carga até subir o barranco. Fazia isso durante todo o dia até descarregar o enorme batelão do Major Salino.

Chegava à beira do rio o caminhão do Kate carregado de botijão de gás. Rapidamente os homens começavam a atirá-los barranco abaixo. O trabalho se transformava em diversão. A criançada chegava pra perto e ficava admirada vendo as botijas rolarem até o rio. Lembro perfeitamente do barulho que fazia quando uma botija tocava a outra lá embaixo do barranco.

O porto era o local mais movimentado e divertido da cidade. Tinha uma velha e quebrada escadaria. Do lado ficava a marcenaria municipal e bem atrás a famosa movelaria do Olegario, Aluísio e Sr. Valdir. O local era mais frequentado do que o mercado municipal. Na verdade a grande especialidade dos proprietários e dos frequentadores era colecionar garrafas vazias de 61 da cana arriada. De longe se ouvia as gargalhadas do Olegario e do Sr. Valdir que entre um prego e outro, diziam eles, “uma dose pra calibrar os nervos”. Sr. Valdir, o mais velho dos três amigos continua alegrando a cidade com suas risadas contagiantes, enquanto Olegário e Aluísio partiram para outra vida deixando boas lembranças.

A chuva nos traz boas recordações...

Antiga movelaria dos amigos Olegário, Aluísio e Valdir.
(texto: Jerry Correia)