segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Chaga Paulino: 100 anos de história


Francisco Chagas Velozo nasceu no município de Assis Brasil, Estado do Acre, no dia 20 de março de 1920, apenas dois anos após o fim da Primeira Guerra Mundial. Filho de dona Francisca Rosa e do senhor Manoel Bandeira viveu boa parte de sua vida no Seringal São Pedro. Foi ali que aprendeu o ofício de seringueiro com apenas 12 anos de idade. E foi um dos melhores da época, premiado pelo patrão com uma espingarda nova por ter produzido mais de mil quilos de borracha em apenas um ano.

Nessa época Assis Brasil ainda era o Seringal Paraguaçu e estava bem longe de ser elevado à categoria de município, o que aconteceu somente em 14 de maio de 1976 através da Lei Estadual 588. Nosso personagem foi testemunha ocular de toda a história política e administrativa do município de Assis Brasil, desde quando era seringal até os dias de hoje.

Seu Chaga Paulino, como é conhecido em Assis Brasil, foi um dos desbravadores da famosa colocação Pedreira onde viveu grande parte da sua vida. Fazia de tudo um pouco. Foi serrador, quando nem se ouvia falar de motosserra, apenas as antigas serras manuais que exigiam perícia e muita força nos braços. Trabalhou também na coleta de castanha em território boliviano. Em uma ocasião, quando coletava os ouriços de castanha na floresta, foi picado por uma cobra venenosa. Sua reação foi de indiferença e não procurou nenhum tratamento para combater o veneno. Não precisa nem dizer o que aconteceu, já que ele está hoje nos contando a história.

Chaga Paulino também foi barqueiro e viajou muito pelas águas do Rio Acre. O detalhe é que naquela época quase não existia motor de rabeta para navegação. Então, tudo era feito na força bruta mesmo, usando remo ou “varejão” para empurrar a canoa rio acima, rio abaixo. 


Por duas vezes, seu Chaga Paulino navegou de Assis Brasil até o município de Xapuri. Isso sem ajuda de motor, somente com a força dos braços. Quero é ver homem hoje pra fazer uma proeza dessa. 

Chaga Paulino também era “bom de pernas”. Já caminhou várias vezes de Assis Brasil até o município de Brasiléia. Isso bem antes de existir estrada, somente varadouros que ligavam um seringal a outro.

Hoje, com um século de vida, seu Chaga Paulino continua morando em Assis Brasil na companhia de uma sobrinha. Por opção, nunca quis saber de casamento e também não gerou filhos. Sua família, no entanto, é bem numerosa e uma das mais tradicionais de Assis Brasil.

Sua atividade preferida é manusear sua velha enxada para limpar os arredores da casa e as laterais da rua onde mora. Esse é o ritual que ele faz todos os dias com muito prazer e alegria. E quando não o faz, por conta daqueles dias chuvosos, fica até zangado.


A biografia desse ilustre morador de Assis Brasil ocuparia muitas páginas de um livro. Registramos aqui um pouco da sua trajetória que merece ser contada para as futuras gerações.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

José Gustavo: a história do comerciante mais antigo de Assis Brasil



Aos 17 anos de idade, o jovem José Gustavo Sales arruma sua mala e se despede do seu velho pai. A mãe já falecida seria contra a decisão do rapaz de sair de seu ninho com destino a um lugar desconhecido. Nem a dor no peito ou as lágrimas nos olhos o fazem desistir do objetivo que fora traçado. Ele está certo que precisa deixar seu lugar, sua gente e suas raízes para tentar a sorte por outras bandas.

De cima do pau de arara ele contempla o que vai ficando para trás. A casinha humilde onde viveu parte de sua vida com a família, os amigos e conhecidos da pequena cidade chamada Meruoca no estado do Ceará.

Agora o garoto estava sob os cuidados de um homem desconhecido responsável por levar trabalhadores do nordeste brasileiro para a região amazônica. Fato comum naquela época em que grande contingente de nordestinos fugia da fome e da seca que castigavam aquele pedaço do Brasil.

O destino do rapaz foi o estado do Acre, mais precisamente na região do Rio Envira onde teve que aprender o ofício de seringueiro. Naquela região teve seu primeiro contato com os segredos e perigos da floresta amazônica. Foi ali também que conheceu uma linda jovem chamada Maria Matias que seria sua companheira por toda a vida e mãe de seus sete filhos.

José Gustavo decidiu sair do lugar onde estava e partir para outra região do estado. Mudou-se com sua família para outro seringal na região do Rio Purus, município de Sena Madureira. Ali trabalhou por anos na tentativa de juntar algum dinheiro para comprar seu próprio lugar. Mas, isso era praticamente impossível, pois as condições impostas pelos seringalistas eram de total exploração.

Mais uma vez foi obrigado a procurar outro lugar para viver. Agora viaja com sua família subindo o Rio Iaco na direção do famoso Seringal Petrópolis. Ali se estabelece em uma colocação onde começa a explorar as seringueiras espalhadas pela imensidão da floresta amazônica.

O Seringal Petrópolis era também uma grande fazenda com milhares de cabeças de gado. O lugar era muito afamado e já tinha uma pequena vila com algumas dezenas de famílias. Mas toda essa prosperidade não alcançou José Gustavo e sua família que sofreram muito enquanto viveram naquele lugar.

A exploração e as precárias condições de vida fizeram com que José Gustavo deixasse o Seringal Petrópolis. Agora ele e sua família conseguem uma colocação no Seringal São Francisco, no município de Assis Brasil. Ali trabalha por alguns anos e ganha experiência nos negócios que envolviam o mercado da borracha.

Decidido a não ser mais explorado por patrão, José Gustavo consegue arrendar o Seringal São Miguel, localizado às margens do Rio Acre nas proximidades do município Assis Brasil. Com essa oportunidade, o agora seringalista, consegue fazer bons negócios e juntar algum recurso para iniciar uma nova etapa em sua vida.

No ano de 1978, muda-se para a cidade de Assis Brasil com toda sua família. Consegue um ponto comercial no mercado da cidade onde começa a vender roupas e tecidos. Foi aí que descobriu sua verdadeira paixão pelo pequeno comércio varejista.

Os negócios prosperam e José Gustavo agora consegue comprar um ponto comercial ao lado do mercado onde trabalhava. O lugar fora vendido na época pelo senhor Vicente Bessa, grande seringalista e primeiro prefeito do município de Assis Brasil.

O tempo passou e o senhor José Gustavo tornou-se um dos principais comerciantes da cidade.  Hoje, aos 90 anos de idade, acredite, ele ainda está atrás de um balcão atendendo seus clientes todos os dias. E isso ele faz por puro prazer, já que aquele pequeno ponto que comprou e onde trabalhou por anos, hoje é um próspero mercado administrado por um de seus filhos. Mesmo assim, seu José Gustavo resolveu montar uma pequena venda colada ao mercado da família só pelo prazer de trabalhar naquilo que gosta.

Com toda essa idade, José Gustavo continua acordando bem cedo para abrir as portas de sua loja. O lucro que busca todos os dias é receber os amigos, vender um geladinho para uma criança que sai sorrindo e continuar servindo o povo de Assis Brasil, assim como fez ao longo desses mais de 40 anos.

O senhor José Gustavo ainda tem um sonho. Ele diz que pede a Deus todos os dias que permita ele trabalhar até os 100 anos. Quer seguir o destino de seu avô que trabalhou até essa idade com muita alegria.

O futuro a Deus pertence. Mas se depender do senhor José Gustavo seu comércio continuará de portas abertas por muitos anos. O que não falta é disposição, felicidade e prazer de viver.


(Jerry Correia)

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

O fundamental e o essencial da vida



Primeiro dia de um novo ano chamado 2019. Momento de fazer planos, traçar metas e renovar promessas que ficaram pelo caminho. É também aquele dia que olhamos para trás e enxergamos todas as conquistas alcançadas no ano que findou. Assim como, mesmo que em menor intensidade, também avaliamos as derrotas, as frustrações e decepções da vida.

É neste primeiro dia do ano que colocamos na balança da vida o que consideramos vitórias e derrotas. Mas, será mesmo que estamos corretos em nossos conceitos? O que de fato é importante para consideramos como grandes conquistas? O que é fundamental e o que é essencial na vida?

Talvez neste primeiro dia do ano tem alguém decepcionado por não ter conquistado o carro novo em 2018. Ou quem sabe aquela tão sonhada reforma da casa, ou a compra de um novo imóvel para o aconchego da família. Quem sabe tem gente triste porque seu candidato não ganhou as eleições do ano passado. Outros porque não viajaram para curtir a virada do ano em alguma praia paradisíaca. Acredite, tem pessoas muito frustradas por não estarem entre os 52 sortudos que ganharam na mega da virada. Tudo bem, vamos ser honesto. Todos nós vivemos e trabalhamos para realizar sonhos como alguns destes que foram citados. Mas, talvez a pergunta que pede resposta neste primeiro dia do ano seja: o que é fundamental e o que realmente é essencial na minha vida?

Uma pergunta totalmente subjetiva, já que o importante para um pode ser desprezível para outro. Contudo, cabe a reflexão sobre as coisas que realmente importam em nossas vidas e nos impulsionam a conquistá-las ou mantê-las.

Esta pergunta me confronta desde ontem algumas horas antes da virada do ano. Estava na igreja com minha família e comecei a observar os detalhes em meio às pessoas que estavam ali cultuando e esperando a chegada de um novo ano. Gente de todas as idades, de diferentes posições sociais e credo religioso. Mas em meio a tanta gente, uma pessoa em especial me chamou a atenção. Um senhor de aproximadamente 60 anos, casado, pai e avô. O seu nome é Demétrio do Espírito Santo, morador da zona rural de Assis Brasil em uma pacata propriedade distante algumas dezenas de quilômetros da cidade. Este senhor, para mim, era de longe a pessoa mais alegre entre todos que ali estavam. Sua felicidade era contagiante, seu abraço verdadeiro e suas lágrimas traziam para fora a pureza escondida dentro daquele coração.

Conheço o senhor Demétrio há três anos. Ele não tem emprego, não é aposentado, sua esposa da mesma maneira não possui renda alguma. Os dois já estão com idade avançada para o trabalho pesado da lavoura. Sobrevivem daquilo que ainda conseguem plantar e colher. Moram em uma casinha onde não chega carro, onde não tem energia elétrica e nenhum tipo de assistência médica. Eles não possuem carro, moto ou bicicleta. Precisam caminhar dezenas de quilômetros para chegar até a beira da estrada de onde esperam por uma carona.

Esse casal era o mais feliz na festa de ontem. Digo casal, pois, pra ser justo, tenho que incluir dona Fátima, esposa do senhor Demétrio, nesta narrativa. Mas o contraditório é que eles tinham tudo para reclamar do ano de 2018, pelo menos na visão da maioria das pessoas. Pelo contrário, eles estavam alegres e isso era evidente. Mas, por quê?

Seu Demétrio e dona Fátima possuem duas coisas essenciais em nossas vidas: fé e gratidão. Pela fé eles conseguem enfrentar todos os obstáculos e ainda são gratos por aquilo que muitos estão desprezando: amigos, saúde, família e outras dádivas que Deus nos dá todos os dias, e de graça.

O escritor Mario Sérgio Cortella disse certa vez que “as pessoas estão começando a fazer uma distinção necessária entre o que é essencial e o que é fundamental”.

 Assim sendo, para iniciar este ano podemos relacionar o que seria fundamental em nossas vidas, como, por exemplo, uma boa casa para morar, um meio de transporte, uma renda estável, boa escola para os filhos, viagens e lazer com a família, e tantas outras coisas consideradas fundamentais para viver a vida. Agora temos que responder a pergunta: e o que é essencial na sua vida?

A palavra essencial é um adjetivo de dois gêneros que qualifica algo ou alguém que é de fundamental importância, que tem um valor significativo, que é vital, imprescindível. Talvez com essa definição, encontrada facilmente em qualquer dicionário da Língua Portuguesa, possamos compreender melhor a questão.

Por certo já conseguimos entender que um carro novo pode ser fundamental, mas que sua saúde ou de algum membro de sua família é essencial. Aquela viagem do sonho é fundamental, mas o abraço e carinho da mamãe é essencial. A reforma da casa é fundamental, mas o pão nosso de cada dia e a família reunida em volta da mesa é essencial. Uma boa poupança é fundamental, mas o sorriso de gratidão daquele desconhecido que você ajuda sem querer nada em troca é essencial. Realizar a bonita festa de aniversário da esposa é fundamental, mas ouvir ela falar eu te amo é essencial. Enfim, existem coisas fundamentais e outras essenciais sem as quais a vida não faz o menor sentido.